Thursday




Noite fria.

A gente nunca sabe o que vai encontrar na rua, na volta para casa.
Eu voltava pra casa depois de mais um dia cansativo de trabalho. Comprei um suco e espero o ônibus no ponto mais próximo.
Perto de uma padaria vejo um casal discutindo. Alto demais para ouvir do outro lado da rua.
Ele gesticula de todas as formas possíveis se irritando a cada instante. Nada fisicamente até porque alguém iria interferir.
Eu seria o primeiro.
A cena ganha platéia, que meio sem jeito assiste tudo aquilo sem saber o que fazer. Todos ficam apreensivos esperando alguma reação mais brusca. Uns curiosos apenas dão risadas.
Riem porque não estão naquela situação. Riem porque não são o coração deles que briga.
Riem porque estão confortáveis o suficiente para rir de algo tão triste.
É realmente triste duas almas que um dia foram felizes, e se partem ao meio, como uma tábua fina de madeira que qualquer criança frágil consegue quebrar no joelho.
Ela pisa nas rosas que ele a presenteou - o que aparenta pelo contexto da cena.
Ele a ofende de nomes que até eu desconhecia que existia. A maior parte eram de origem animal.
Os dois citam alguma traição de um passado não esquecido, e partem em direção opostas após várias chuveiradas de ódios e mágoas soltadas ao vento para todos escutarem.

Meu ônibus chega.
E eu ainda consigo observá-lo pela janela do ônibus, andando furiosamente sem cessar o passo.
Talvez aquela cena tenha me deixado com mais saudade de mim mesmo. Meu corpo pesou.
Talvez internamente meu coração transformou aquele episódio negativo em algo que eu pudesse aproveitar.

Aproveitar para agradecer.

A gente costuma a cair na rotina muitas vezes e não percebe que quando as coisas ruins acontecem a nossa resposta natural é: reclamar.
Sempre é o ônibus muito lotado, ou o lugar muito apertado, ou é o calor, ou é frio demais, o cíume incontrolado, a briga desnecessária, o pão murcho, o wifi que não funciona, o abraço que não teve, grude demais, sem a atenção que a gente quer.
É tanto tempo reclamando que faz tanto tempo que você não arruma um tempo para agradecer.
Pelo que já tem.
Pelo que você conquistou hoje.
Por poder chegar em casa e ter o que precisa para repousar a cabeça no travesseiro e por os pensamentos em ordem.
Talvez aquela cena tenha me deixado com mais saudade de mim mesmo.
Eu ia te contar isso tudo, mas quando eu cheguei você já estava dormindo.
O controle da tv ainda estava na sua mão e o celular do seu lado.
Dei um beijo na sua testa e fiquei olhando o céu pela janela, agradecendo no pensamento por ser tão grato,

Noite fria.
e eu sou grato por respirar o mesmo ar que você.
sou grato por viver na mesma época que você.
sou grato por tanta coisa.
mas deixa que amanhã no café
eu te conto tudo isso.




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